terça-feira, 30 de março de 2010

SANTO DAIME


Em Defesa da Ayahuasca e da Soberania Nacional!





O caso lamentável da morte prematura do cartunista Glauco Villas Boas e de seu filho Raoni, parece ter dado um ânimo especial à fúria das forças hegemônicas que sempre estiveram infiltradas nos principais veículos de comunicação em massa, buscando de todas as formas direcionar a opinião pública no sentido de favorecer e legitimar os interesses particulares de uma elite dominadora. Interesses esses historicamente voltados para o monopólio do nosso patrimônio natural e genético, a fim de garantir a utilização irrestrita dos nossos recursos naturais, bem como a geração de riqueza para uma classe de abastados que não estão em nada comprometidos com a melhoria das condições de vida do oprimido povo brasileiro.

Eu como brasileiro, defensor dos interesses da nação e da integridade do território nacional, entendo que as diversas tradições ayahuasqueiras presentes em nosso país, entre elas a doutrina do Santo Daime, fazem parte de um importante legado cultural deixado pelos povos da floresta que já habitavam essas terras americanas muito antes da chegada dos dominadores europeus, e que construíram ao longo de muitas gerações o conjunto de conhecimentos e habilidades necessários para a reprodução da vida humana nos ambientes tropicais. Oprimidos pela ganância desenfreada da cultura ocidental, esses autênticos brasileiros, juntamente com os outros povos dominados, trazidos do continente africano e de outras partes do mundo, foram brutalmente arrancados de suas raízes culturais e simbólicas e inseridos à força no universo judaico-cristão.

Se isso, num primeiro momento, serviu de instrumento de dominação e subjugação desses povos, com o passar de algumas gerações, a própria linguagem cristã, com seus mitos e símbolos, passou a ser utilizada para reavivar aquela voz ancestral que fora calada pelas forças dominadoras. Dessa forma surgem todas as belas tradições folclóricas brasileiras que entrelaçam de forma única as diversas correntes de espiritualidade e cultura que passaram a conviver no Brasil. A Ayahuasca traz em si essa herança perdida, fazendo-nos relembrar das nossas raízes culturais e da nossa ligação ancestral com os seres da natureza, há muito sufocada pelo inebriante mundo urbano “civilizado”.

Agora, aqueles mesmos dominadores de outrora, travestidos de defensores da moral e dos bons costumes, querem rebaixar essa bebida enteógena ao mesmo nível das diversas drogas inebriantes produzidas no contexto de um modelo decadente de sociedade consumista, degradante dos recursos naturais e banalizadora das tradições culturais. Sob desígnios preconceituosos do tipo “droga alucinógena” ou “pajelança química travestida de religiosidade pastoril” nos fazem crer (baseados unicamente nos depoimentos da família do assassino) que a bebida causou as alucinações que levaram o rapaz a cometer o duplo assassinato que chocou o país. Não consideraram que o jovem já não tomava o chá há pelo menos seis meses e vinha fazendo o uso constante de drogas pesadas; que no réveillon, quando esteve pela última vez no Céu de Maria, lhe fora negado o chá, tendo em vista o comportamento que vinha apresentando; que os próprios membros do Céu de Maria haviam alertado a família sobre o estado de saúde mental do rapaz (a que nenhuma providência fora tomada). Aqueles que forem inteligentes que tirem as suas próprias conclusões.

Impressiona-me também as palavras carregadas de preconceito e desinformação de pessoas formadoras de opinião como o jornalista Paulo Nogueira, correspondente da revista Época, que traça um paralelo descabido entre o Daime, o Vodu e Confucionismo, exaltando a sabedoria dos Anacletos de Confúcio e ridicularizando o que ele chama de “gurus” do Daime. O jornalista chama de “retorno aos princípios do confucionismo” a invasão da mentalidade ocidental na China, que tem sepultado as tradições ancestrais do seu povo, inviabilizado a vida nas áreas rurais e relegado a população a um regime escravagista e excludente, organizado para atender a uma produção industrial absurda que colocou o gigante oriental ao lado dos Estados Unidos, como o maior consumidor dos recursos naturais do planeta, destruidor dos ecossistemas naturais e saturador da atmosfera com dióxido de carbono e outros gases tóxicos, nocivos à saúde humana e a do planeta. Isso é o que o autor chama de “ascensão espetacular” da China. Por outro lado define o Santo Daime como “religião primitiva que nasceu dos delírios do seringueiro Raimundo Irineu Serra”.

Raimundo Irineu Serra foi gente nossa, brasileiro autêntico, filho de escravo, homem trabalhador. Saiu do Maranhão e foi trabalhar como seringueiro na Amazônia. Viveu na pele, assim como os outros precursores da Ayahuasca no século XX, a realidade de exclusão e marginalização que muito bem conhece o nosso povo e tanto desconhece a elite dominadora imperialista. Busquem pela história de vida desses homens, pioneiros de diferentes tradições ayahuasqueiras: Raimundo Irineu Serra, Sebastião Mota de Melo, Daniel Pereira de Matos e José Gabriel da Costa. Histórias comoventes, homens de elevada moral, gente sofrida, trabalhadora, que enfrentou a dura vida na floresta e aprendeu com seus habitantes a melhor forma de viver com dignidade no causticante ambiente amazônico. Seringueiros, agricultores e lavradores, gente simples, gente nossa, que em meio à sua luta cotidiana, encontrou no chá ancestral da floresta uma forma de se libertar do jugo imposto por uma sociedade materialista, exploradora, injusta e destruidora dos valores morais. Reuniram pessoas, parentes e amigos e encontraram forças para propor uma vida diferente, uma vida calcada em valores comunitários, ecológicos e espiritualistas. Uma vida simples, com pensamento elevado, buscando a sintonia com os mistérios da floresta e com a sabedoria dos nossos ancestrais. O próprio tempo fez com que esse movimento alcançasse os grandes centros urbanos. Talvez poucos desses precursores viveram para ver o seu culto atingir as cidades, levando para diversos lugares do mundo um pouco da sabedoria e do universo encantado da floresta e despertando os valores mais profundos do ser humano aos sedentos habitantes deste mundo atômico, civilizado, intoxicado pela sua vazia, individualista e excludente sociedade de consumo, com suas alucinações virtuais e tecnológicas.

Resta-nos saber quem de fato está delirando aqui. Se são esses valorosos homens brasileiros, que valorizam o que temos de melhor, que ensinam o respeito à nossa cultura, aos saberes do nosso povo, que mais do que ninguém afirmam os mais nobres valores cristãos, começando por amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo e que, pelo testemunho de suas vidas, apresentam alternativas de sobrevivência utilizando os recursos disponíveis na floresta a uma camada sofrida povo brasileiro... ou será que os “delírios” e as “alucinações” vem da parte desses cavalheiros, como o jornalista pseudobrasileiro que, de terreno europeu, desfere ataques aos nossos costumes, que chama nossas tradições de crendices e superstições, que classifica nossas plantas sagradas como drogas alucinógenas e nossos gurus de ignorantes, que exalta os valores de um modelo de sociedade mórbida, opressora, excludente e autodestrutiva, que acredita, nessas alturas dos acontecimentos, que Londres está no centro do mundo e nós na periferia, e que ainda faz uma comparação do Santo Daime, autêntica religião brasileira, com o Vodu “que acabou se infiltrando no poder no Haiti”. Amigos leitores, avaliem: quem é que está delirando? Quem é que está tendo alucinações?

Irmãos, compatriotas, aqueles que guardam algum sentimento nacionalista dentro do peito, conclamo todos a ouvir o sinal de alerta! Unimo-nos em defesa da nossa cultura, dos nossos costumes, das nossas tradições!

Até quando vamos manter a postura de colônia e deixar com que pessoas, defendendo interesses estrangeiros, pisem e desprezem os nossos valores? Que ditem o que é bom para nós?

Até quando vamos deixar com que continuem oprimindo o nosso povo, nossa cultura? Massacrando e pilhando nossos recursos naturais? Chamando nossos pajés e xamãs de tolos ignorantes?

Até quando vamos ficar calados assistindo ao Big Brother? Até quando vamos engolir isso?

Levantem-se brasileiros! Vamos fortalecer nossos laços culturais, buscar nossas raízes! Vamos defender nossas heranças, cuidar do nosso território! Do contrário, em pouco tempo, aqueles que quiserem fazer o uso da Ayahuasca aqui no Brasil terão que pedir licença a uma dessas multinacionais farmacêuticas, a exemplo do que já acontece com diversas outras substâncias presentes na flora da Amazônia e de outros ecossistemas brasileiros.

Ou será que estou “delirando”...



Gabriel de Mendonça Domingues

Pesquisador do Instituto de Estudos da Cultura Amazônica - IECAM

Nenhum comentário:

Postar um comentário